Profa. Anita Novinsky - Prefácio do livro 'O Resgate', falando da nossa atuação: Não são muitas as pessoas da comunidade judaica que se interessam pelos cristãos novos que querem voltar aos tempos em que eram judeus. Os Bnei Anussim sentem-se isolados, não se integram em nenhum grupo, vivem entre si e comemoram as festas judaicas em pequenos grupos. Mas há um jovem judeu, que se formou rabino em Israel, que é a única pessoa que eu conheço que resolveu ajudar os Bnei Anussim - o Rabino Ventura. Como ele apoiou os Bnei Anussim desde que tomou conhecimento de sua existência aqui no Brasil, o grupo também se apoiou nele e criaram confiança, e ouviam seus ensinamentos com avides e curiosidade. O Moré Ventura, como é chamado, acompanhado de sua esposa Jacqueline, apoiou a causa dos Bnei Anussim, compreendendo que o judaísmo era uma civilização e não apenas uma crença. Amou os Bnei Anussim, sentiu-se atraído pela sua história misteriosa. Sentiu que precisava transmitir-lhes algo mais concreto, que trouxesse sentido para suas vidas, que estavam divididas. Viajou por muitos estados do Brasil, conheceu centenas de pessoas e diariamente responde as dezenas de perguntas que lhe são dirigidas. Além disso, o Moré Ventura dá aulas semanais para diversos grupos e promove palestras em todo Brasil, de modo presencial e online. O apoio e interesse que o Rabino Moré Ventura trouxe para os Bnei Anussim brasileiros através dos seus textos, poesias, apresentações musicais, vídeos e agora este livro, contando sobre sua história e sobre a sua cultura, inclusive para os que nunca haviam ouvido falar a respeito, fizeram mudar o comportamento de muitos deles, que passaram a ter mais coragem de se assumir. Durante as festas judaicas, Ventura e sua esposa Jacqueline promovem alegres saraus em sua própria casa, aos quais são convidados Bnei Anussim e membros da comunidade judaica local, com a finalidade de trocar experiências e criar vínculos de amizade. Há mais de 20 anos Ventura atua como professor de judaísmo na comunidade judaica de São Paulo, sempre incentivando os jovens judeus a terem orgulho de sua fé. Sempre transmitindo os reais aspectos da cultura judaica para seus alunos e seguidores! Além desse trabalho voluntário com os Bnei Anussim, o Rabino Ventura atua no diálogo inter-religioso e em projetos sociais na periferia de São Paulo, fomentando o diálogo e a cooperação entre membros de diferentes realidades e culturas, e também apoiando projetos que beneficiam à população mais carente. Nos últimos três anos, junto a outras lideranças do movimento, Ventura ajudou a promover as comemorações de Purim, na Rua dos Judeus, em frente à sinagoga mais antiga das Américas, em Recife, onde se reuniram cerca de 200 Bnei Anussim de diversas regiões do Brasil. Estas comemorações históricas, ganharam destaque em importantes programas de televisão, rádios e jornais. Ventura tenta ao máximo difundir a causa dos descendentes dos Bnei Anussim, pois, de acordo com ele, é somente assim que acontecerá, finalmente, o grandioso e histórico encontro entre as comunidades judaicas estabelecidas e os descendentes dos judeus forçados que, após séculos de opressão, retornam com orgulho à fé de seus antepassados. O ideal de Ventura é que os Bnei Anussim não se percam para nós, judeus, depois de sofrermos tantas perdas. Se tivéssemos mais Venturas, talvez os Bnei Anussim já estariam conosco e já fariam parte de nossas comunidades. O futuro dos Bnei Anussim não sabemos, mas qualquer caminho que o movimento seguir, sempre dependerá de nós, judeus, difundir essa história do Brasil.
Anita W. Novinsky: Historiadora brasileira, especializada na Inquisição portuguesa no Brasil
“Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz. Guardando as recordações das terras onde passei, andando pelos sertões, e dos amigos que lá deixei....” (Luiz Gonzaga) Lá vem um homem e uma mulher! Ela, seus passos parecem cansados, mas sua alma anda à galope, na companhia de seu olhar profundo e inquiridor. Ele, homem de lutas, bravias e sombrias, contra os paredões do esquecimento. Ambos, cavando poços por onde andam, saciando almas sedentas. Travando, únicos, na solidão da história, a mais rupestre das lutas: de arrancar sussurros dos esquecidos e amedrontados nas alcovas da inquisição. Seu endereço, as casas de taipas, a cadeira de balanço, o café coado direto na caneca de louça à beira do fogão “de lenha”! Sua cobertura, o chapéu de couro com a estrela que Davi passou prá Salomão. Sua reza, o oratório escondido do sótão com um exemplar da Torah, e as velas disfarçadas da sexta à noitinha! O “abôio”, seu acalento! Seus sonhos, lúcidos! Sua força, que o diga HaKadosh Baruch Hu! Dos quatro cantos do berço da Shechiná da galut latina sefaradi que permeiam estes vastos campos, direto para o resgate da identidade interior, seu verdadeiro self yehudi. Fazendo amigos, acordando irmãos, dividindo luz com sementes santas, frutos iluminados. Rebentos retornados, somos a menina de seus olhos! A paga de seus atos são a alegria nos rostos que se escondem nos sobrenomes furtivos e quase inaudíveis dos intrépidos sobreviventes da assimilação voraz que, sem saber, imprimiu a audácia de enfrentar o tempo, a indiferença e a segregação, guardando costumes, vivendo um judaísmo genuíno, protegido e enternecido enquanto ocultado. E seremos milhares, dos mais longíncuos sertões, das vilanias, dos brejos e moinhos, das serras e das minas, pradarias e encostas e brotaremos da terra antes seca, com o viço do renovo, do entusiasmo, da saudade aliviada do sonhado-ainda-não-vivido pra experimentar qual seja o destino decretado da era messiânica e que seja ainda em nossos dias! Um rabino, uma multidão!
Yoná David de Medeiros Borges Lima: Comunidade Keter Torá, Brasília
“...Mas o domingo ainda traria muitas e fascinantes surpresas. Após ler trabalhos de pós-graduação que avalio na PUC-SP, decidi prestigiar meu grande amigo Gilberto Venturas, Rabino Ventura, que inaugurou perto de minha casa, na Rua Sampaio Vidal, 1065, a Sinagoga Sem Fronteiras. Creio que acompanho a missão judaica de Gilberto Venturas há mais de duas décadas. Inicialmente, no final dos anos 90, como diretor de cultura judaica na Hebraica, recebi a oferta, de grande benemérito da comunidade judaica, para contar com o trabalho de jovem talentoso para me auxiliar na promoção do judaísmo no clube A Hebraica. Marquei com o Moré Ventura na Livraria Belas Artes, onde passava minhas manhãs comandando o espaço. E foi um início de muitas manhãs de bate-papo que se prolongaram por anos. Desde a primeira manhã, simpatizei com a forma especial do Rabino Ventura abordar o judaísmo. Fiel às raizes, aberto a novidades. Sério, profundo, conhecedor das escrituras e suas inumeráveis interpretações; ao mesmo tempo um jovem ousado, utilizando recursos incríveis como música, dança, demasiado humor, uma retórica incrível. Claro que aceitei a proposta e pude contar com o Moré durante vários anos no clube. "Domingo Aventura" foi um point que por anos encantou a criançada que lotava o piso esvaziado da Sinagoga aos domingos. Lá reinava Ventura, encantando e ensinando as novas gerações. E muitas outras artimanhas engenhosas como o espaço "Sei lá", que reunia e preparava jovens para trabalho voluntário no Lar das Crianças da CIP. Comandados por Moré Ventura, os jovens se encontravam, preparavam atividades, e as sextas a tarde maravilhavam as crianças carentes do Lar. Assim foi a memorável passagem de Ventura pela Hebraica. Mas o jovem tinha objetivos e eu fui, desde então, acompanhando sua caminhada pelas Escolas Judaicas, suas andanças pela periferia de São Paulo, suas participações em manifestações na rua contra o antissemitismo. Vi sua família sempre querida demais crescendo. E de repente, numa tarde de agosto, presencio uma nova etapa para o Rabino. Há anos acompanho sua Sinagoga sem Fronteiras, e agora ele desembarca em São Paulo inaugurando uma sede para o movimento. Uma casa incrível nos Jardins, repleta de animados seguidores; gente saindo pelo ladrão, por todos os buracos. O que pode significar a data de ontem? Sem dúvida, o começo de algo quase inacreditável. Rabino Ventura poderá agora abrir seus longos e generosos braços para centenas, milhares de brasileiros que querem redescobrir e assumir suas raizes judaicas. Cristãos Novos tão estudados por Anita Waingort Novinsky da USP, que ontem foi homenageada na Sinagoga Sem Fronteiras de São Paulo. Anita Waingort Novinsky é de certa forma a fada madrinha de tudo que está acontecendo. Há décadas estabeleceu cientificamente, em sua pesquisa histórica, com vasta documentação recolhida por ela na Torre do Tombo em Portugal, as raizes judaicas do Brasil. Agora as descobertas de Anita Waingort Novinsky se projetaram para além do acadêmico, para transformar vidas que o Rabino abre as portas de sua nova Casa para recebe-las. Fui convidado a falar e lembrei dos ensinamentos do Rabino Nilton Bonder sobre os profetas de Israel: "diferentemente de seus ancestrais videntes, os profetas bíblicos não são profetas que labutam na dimensão do tempo, mas na dimensão do espaço, do lugar. Os profetas bíblicos se propõem ver o que os outros não vêem - não necessariamente no tempo, mas no lugar. Suas profecias não eram sobre o que iria acontecer, apesar de muitas vezes serem assim, compreendidas, mas sobre o que estava acontecendo. Eles não anteviam o futuro, mas viam o presente com tanta transparência que podiam alertar sobre o futuro contido neste presente... Eles descobriam "janelas" que não serviam para averiguar os tempos futuros, mas os diversos lugares contidos no que nos parece só um lugar... O que lhes era mostrado não era o que estava por vir, mas um lugar distinto que existia no lugar que percebiam." (trecho do livro: "Portais Secretos: acessos arcaicos à internet" do Rabino Bonder). Assim, lembrei dos ensinamentos de Bonder para tentar explicar a importância do que presenciava naquele domingo abençoado. Enxerguei os ensinamentos dos profetas de Israel, iluminando Rabino Ventura. Voltemos : "...Despertava pela primeira vez o ser humano para a pergunta 'onde estamos e onde poderíamos estar?', ao invés de 'de onde viemos e para onde vamos?'..." De repente percebi em meio a muita emoção o caráter histórico e transformador que a inauguração da Sinagoga Sem Fronteiras em São Paulo pode e deverá significar. O espírito dos profetas estava ali vivo e atuante.” Mazal Tov Rabino Ventura. Espero estar a altura para colaborar com tão profícuo projeto.
Jose Luiz Goldfarb: Acessor da presidência e diretor de cultura judaica do clube A Hebraica.
'Na Casa do Seu Baruch' - Judaísmo sertanejo. Passamos pelo túnel escavado na pedra e seguimos em direção ao agreste de Pernambuco. A casa do senhor Barú surgiu em um final de tarde, pouco tempo depois de ouvirmos a música Anunciação do Alceu Valença e eu, o Rabino Ventura e a Jacque iniciarmos um debate tentado adivinhar o motivo da inspiração para aquela canção. Seu Barú é um personagem de qualquer tempo que não é o nosso, ou talvez sejamos personagens deslocados do tempo certo das coisas. Ele possui um sotaque, traços e uma nobreza que não é daqui. Ele e sua família construíram um mundo a parte, com uvas, romãs , vinhos de azeitonas, objetos judaicos e uma generosidade sem tamanho. O Rabino se sente em casa, as vezes acho que ele retorna junto com esse povo que ele chamou para si e que no resgate, ele também é um resgatado. Como são grandes as coisas da alma, esse homem culto, que fala idiomas e recita a torá, armou a sua tenda em outros desertos que não o de Israel, abraçou lutas que não precisava serem suas e se lançou na perigosa estrada de acolher em detrimento de escolher. E entre todas as pessoas do universo a sua alma gêmea deseja exatamente a mesma coisa que ele. Com orgulho, Barú oferece cachaças aromatizadas com frutas e raízes que ele mesmo produz. O rabino se ajeita na cadeira de balanço e agradece... não à cachaça mas sim a caminhada. Com os olhos azuis marejados , diz que hoje, graças também a Barú, existe um túnel para os filhos dos forçados, mas que no início da caminhada só haviam muros. Barú sorri, o nordestino sempre sorri quando se sente encabulado. Lembrei do túnel atravessado a pouco, o túnel cavado na rocha e pensei como são difíceis os túneis que precisamos cavar e cruéis as rochas a serem vencidas. Agora a pouco as mulheres da casa acenderam as velas do Shabat, estou na cidade de Belo Jardim ( Pernambuco) e cai uma chuva suave que levanta da terra um perfume que me lembra a infância. Estou a cerca de meia hora de distância da casa da minha mãe e acho que começo a entender o sentimento dessas pessoas mais com o coração do que com os olhos de pesquisadora. Eles também estão próximos do lar materno porque sentem o judaísmo como sua origem ( assim como o útero de uma mãe) reconhecem o cheiro, sentem proximidade, mas este “ estar lá “ por muitos lhes é negado. É como eu que estou muito próxima a casa da minha mãe, porém não tenho como chegar lá caminhando sozinha. Hoje ficarei com eles e aprenderei mais algumas lições. Lições raras, com pessoas raras. Ouvirei suas histórias e talvez ainda escreva alguma coisa, afinal o Shabat está apenas começando e não há nada que um escritor goste mais do que uma boa história pra contar.
Professora Ana Lígia Lira